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Especialistas divergem sobre ação que determina a atividade de embargo e interdição no país

Especialistas divergem sobre ação que determina a atividade de embargo e interdição no país

Por Paula Barcellos/Jornalista da Revista Proteção

A ACP (Ação Civil Pública) n. 0010450-12.2013.5.14.0008 que trata da atividade de embargo e interdição dos auditores fiscais do trabalho, ajuizada pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) da 14ª Região que abrange os estados de Rondônia e Acre, completará dez anos no final deste ano. Ajuizada em 13 de dezembro de 2013, ela garante a autonomia dos auditores em todo o território nacional para embargar e interditar empresas que apresentam irregularidades quanto à SST, sem necessidade de autorização de autoridade não envolvida na ação fiscal, como por exemplo do superintendente regional do Trabalho.

CLT

O engenheiro de Segurança do Trabalho, ex-auditor Fiscal do Trabalho, professor e juiz do Trabalho aposentado, Edwar Abreu Gonçalves, explica que a questão do embargo e interdição tem embasamento na CLT, em especial no artigo 161. Ele diz que o referido item estabelece que a situação de risco grave e iminente no local de trabalho deve ser formalmente materializada em laudo técnico específico de embargo ou interdição a ser feito e subscrito por auditor fiscal do trabalho, “por óbvio, com habilitação técnico-legal em Engenharia de Segurança do Trabalho ou em Medicina do Trabalho”. Tal artigo ainda determina que o Delegado Regional do Trabalho é quem poderá levantar a interdição após o laudo técnico. “Em resumo, o laudo técnico de embargo é o primeiro requisito formal, legal e essencial, para que se possa cogitar, validamente, a paralisação de atividades produtivas a ser implementada por ato administrativo de competência legal do delegado regional do trabalho, atual superintendente”, explica.

No entanto, o juiz aposentado afirma que para evitar demora na imediata paralisação das atividades nas empresas, uma prática comum em todos os estados sempre foi a de o superintendente, por intermédio de Portaria Administrativa, transferir poderes para que o próprio Auditor Fiscal do Trabalho (Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do Trabalho), logo após a lavratura do laudo técnico de embargo ou interdição, determinasse a imediata paralisação das atividades, em nome do superintendente.

Gonçalves diz que a ACP surgiu diante de uma situação pontual no Estado de Rondônia que contrariava essa prática legal de transferir poderes de embargo e interdição aos auditores no estado. Conforme ele, na oportunidade, “o superintendente de lá estaria criando óbices ou entraves para a decretação de embargo ou interdição feita por auditores fiscais do trabalho nos termos habituais e regularmente praticados naquele estado”, afirma. No entanto, a ação não especificou que os auditores tenham que ser da área de SST, conforme preconiza a CLT, o que na sua visão pode comprometer a qualidade das fiscalizações.

AMPLITUDE

Conforme Gonçalves, após a ACP, outras decisões surgiram na sequência, mas que também não seriam positivas para a SST. Ele diz que para cumprir a ação, o então Ministro do Trabalho e Emprego editou a Portaria MTE n. 1.719, de 5 de novembro de 2014, que disciplina os procedimentos relativos a embargo e interdição, e, em seu artigo 4º, reproduziu que os auditores fiscais do trabalho (independentemente de serem ou não Engenheiros de Segurança ou Médicos do Trabalho) estão autorizados a procederem de imediato a paralisação das atividades bastando, para tanto, que consubstanciem a situação ou condição de risco grave e iminente em relatório técnico. “Não poderia explicitar que seria por meio de laudo técnico por ser este requisito expressamente previsto no Artigo 161 da CLT como da competência técnico-legal específica dos auditores fiscais do trabalho detentores de especialização em Engenharia de Segurança ou em Medicina do Trabalho”, revela Gonçalves.

Posteriormente, ele conta que a publicação da Portaria SEPRT-ME n. 1.068, de 23 de setembro de 2019, que atualizou a redação atual da NR 3 (Embargo e Interdição), explicitou que para o auditor fiscal do trabalho decretar a imediata paralisação de atividades produtivas, não mais se faria necessário laudo técnico, nem tampouco relatório técnico. Basta apenas que nos termos do item 3.3.1 da nova NR 3, qualquer auditor fiscal do trabalho (independentemente de ser especialista ou não em SST) caracterize risco grave e iminente considerando duas variáveis: em primeiro lugar, a consequência como o resultado ou resultado potencial esperado de um evento, nos termos da Tabela 3.1; e, em segundo lugar, a probabilidade como a chance de o resultado ocorrer ou estar ocorrendo, conforme Tabela 3.2, ambas tabelas constantes da NR 3 em vigor. “Aqui vejo duas inconstitucionalidades. A primeira delas viola a legislação baseada na Constituição Federal e na CLT, pois nunca é demais lembrar que normas infralegais, como é o caso da NR 3, jamais poderão contrariar a lei. Noutro compasso, pretender que qualquer auditor fiscal possa decretar embargo ou interdição, pois penso que tal condição viola igualmente a Constituição, especialmente no inciso XIII, do artigo 5º, que cita: ‘É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. Observa-se que Engenheiro de Segurança do Trabalho é uma profissão legalmente prevista nos termos da Lei n. 7.410 de 27.10.1985, por isso não é adequado estender a outros profissionais que não atendem a esses requisitos legais a competência profissional legalmente reservada a especialistas em SST”.

O presidente da Anest (Associação Nacional de Engenharia de Segurança do Trabalho), Benvenuto Gonçalves, lembra que este cenário configura um exercício ilegal da profissão. “A lei 5194/1966 regula o exercício das profissões de engenharia e estabelece que se algum leigo executa atividade técnica privativa de profissionais fiscalizados pelo Sistema Confea/Crea vai receber uma multa. O auditor fiscal que não é Engenheiro de Segurança do Trabalho ou médico do Trabalho, não tem a menor competência nem condições de interditar máquinas e setores ou embargar obras da construção civil”, diz.

Para Gonçalves, nem mesmo a escassez de profissionais na área de SST justificam esta amplitude. Segundo ele, apesar de ser notória a escassez de auditores de SST nas SRTs de todo o país, isso não configura motivo legal para pretender ampliar a atividade para os agentes que não possuem especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho ou Medicina do Trabalho. E exemplifica. “Imagine um auditor fiscal do trabalho que não seja engenheiro de Segurança ou médico do Trabalho e que ao realizar uma fiscalização em uma empresa não detecte uma perceptível condição de risco grave e iminente e ao ir embora ocorra imediatamente um infortúnio laboral, resultando na morte de um trabalhador em função desse risco que seria facilmente detectado pelo especialista em SST. Esse auditor seria penalizado criminalmente por sua conduta fiscal”, afirma.

NA PRÁTICA

Segundo Sebastião Geraldo de Oliveira, juiz do Trabalho e desembargador do Tribunal Regional do Trabalho – 3ª Região (MG), a possibilidade de os auditores fiscais, ainda que não sejam especialistas em SST, fazerem embargos e interdições é uma decisão correta. “Embargo e interdição são situações urgentes, excepcionais que não podem esperar muito e há certos riscos que são tão visíveis que nem é necessário um expert para detectar. Eu percebo que é muito mais eficaz ter um fiscal ali, acompanhando o dia a dia e, se for o caso, ele pedir ajuda de outro fiscal da área de Engenharia ou da Medicina para auxiliar, como na prática isso acontece Além do mais, caso esteja ocorrendo alguma interdição e embargo incabível, a empresa pode recorrer à Justiça do Trabalho para suspender ou para cassar aquela interdição, aquele embargo. A empresa tem meios de se defender de uma interdição maliciosa, por isso, eu acho adequada a medida”, avalia. Apesar disso, ele ressalta a necessidade do reforço no efetivo da fiscalização voltada à SST. “Evidentemente seria mais razoável se tivesse um número mais considerável de fiscais com formação técnica em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, mas existe uma outra questão que precisa mudar os editais para o concurso a respeito disso”, desabafa.

Quanto à violação da CLT, Oliveira mantém a opinião. “Leis foram redigidas para serem interpretadas e ponderados valores para os quais elas se dirigem e, na dúvida, eu não posso julgar contra o risco iminente que a pessoa está correndo. Poderia até dizer o seguinte: em vez de in dubio pró-risco eu digo in dubio pró-vida”.

O médico do Trabalho e auditor fiscal do trabalho de Minas Gerais, Mário Parreiras de Faria, opina que o fato de os auditores não serem especializados em SST não tem causado na prática, em seu estado pelo menos, prejuízos para trabalhadores ou para empresas. “Eu não conheço uma situação de embargo que não foi realizado, mas deveria ter sido, seja por auditores especializados em SST ou não, que veio a causar alguma lesão no trabalhador. Também desconheço interdição ou embargo desnecessário feito por qualquer auditor que tenha causado prejuízo à empresa. Claro, as empresas sempre reclamam, muitas vezes, na justiça de que as interdições ou embargos estão causando prejuízo para elas, parando a produção. Mas isso é uma questão que é decidida na Justiça. Pelo menos aqui em Minas Gerais, os auditores do trabalho que não têm especialização fazem interdições e embargos muito bons, principalmente na área de máquinas e equipamentos”, afirma Parreiras.

FUTURO

A ACP encontra-se atualmente pendente de julgamento final, em sede de Recurso de Revista, em curso perante o Tribunal Superior do Trabalho. “Espero, acredito e confio que o julgamento decidirá pela improcedência dos pleitos autorais constantes da ACP ou pelo menos que seja explicitado que o decreto de embargo ou interdição pelo auditor fiscal do Trabalho fique condicionado à prévia materialização do risco grave e iminente em Laudo Técnico subscrito por Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do Trabalho, na forma preconizada pelo vigente Artigo 161 da CLT. A expectativa é de que antes que se completem dez anos do ajuizamento da ACP-MPT-14 tenhamos, quem sabe, uma decisão definitiva sobre o assunto”, diz Gonçalves.

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